quinta-feira, 2 de agosto de 2018

TEATRO SEM TABU

Matéria da Gazeta de Alagoas
Caderno B

Larissa Barros - repórter

CIA. DO CHAPÉU APRESENTA, A PARTIR DESTE FIM DE SEMANA, NOVA TEMPORADA DO ESPETÁCULO TARJA PRETA


Fragmento da fotomontagem de Nivaldo Vasconcelos

Apatia, culpa, descontentamento. Mudanças de humor, tristeza. Fadiga, inquietação, falta de apetite ou excesso de fome. Dificuldade de concentração, sofrimento emocional. Os sintomas são muitos e a cada dia mais frequentes num mundo onde a saúde mental vem se tornando cada vez menos importante diante de outros aspectos da vida cotidiana. Num mundo onde a depressão mora ao lado – e dentro. Tanto que a doença, que até 2020 será a mais incapacitante em todo o globo, vem crescendo em uma velocidade galopante: 18,4% desde 2005. Com milhares de trabalhadores afastados anualmente – em 2016 foram mais de 75 mil deles –, o Brasil é considerado campeão de casos de depressão na América Latina. Mas ela segue cercada de preconceitos. Falar sobre ela continua tabu. Não, porém, para a Cia. do Chapéu. É nos palcos que a trupe alagoana tem trazido à tona o chamado “mal do século”. De maneira sutil, vazio, solidão, ansiedade, apatia, angústia e vários outros estados são tratados em Tarja Preta, que inicia mais uma temporada neste fim de semana. As primeiras apresentações acontecem no sábado, 4, e no domingo, 5, às 19h, no Teatro de Arena Sérgio Cardoso. A temporada segue nos dias 11, 12, 18 e 19 de agosto, no mesmo horário.

TARJA PRETA, DA CIA. DO CHAPÉU


Quando: 4, 5, 11, 12, 18 e 19 de agosto, sempre às 19h


Onde: Teatro de Arena Sérgio Cardoso (anexo ao Deodoro)


Classificação indicativa: 14 anos


Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).


Mais informações: (82) 99355-4423 e 99131-3131.


Para apresentar tudo isso, surge a atriz Joelle Malta. O espaço do tablado é dividido apenas com Laís Lira, responsável pela iluminação. “Costumo dizer que a iluminação dança comigo no espetáculo, já que ela está comigo no palco o tempo inteiro, embora o público não consiga vê-la. Acontece que só eu apareço, então é desafiador estar em evidência o tempo inteiro sem dividir isso com ninguém”, diz Joelle. 


Tarja Preta também não tem diálogos. Tudo é apresentado em uma linguagem não verbal. “É inquietante, não verbalizar, mas ao mesmo tempo o corpo e os outros elementos falam por si sós. É um pouco difícil e algo que faz parte, que complementa. O silêncio se faz necessário, o corpo fala”, aponta a atriz, lembrando que, apesar de complexa, a temática é tratada de maneira delicada. 


Não haveria de ser diferente. Para que o trabalho saísse do papel – ele é apresentado desde 2014 –, o grupo não só realizou uma extensa pesquisa como encorajou uma intensa troca de experiências. Memórias próprias, seja do contato com quem já esteve acometido pela doença, seja de lembranças de estágios de melancolia enfrentados por eles mesmos, foram utilizadas como base.


“Tratar desse tema é delicado. É algo que está muito presente, infelizmente, no nosso dia a dia. Se não somos nós que temos, alguém muito próximo tem. Sempre temos um retorno de ver o público se sentir tocado, de se ver ali. Acho muito importante fazer o espetáculo, falar sobre isso”, arremata Joelle, que tem participação ativa no que é levado à plateia.


Segundo o diretor, Donda Albuquerque, Tarja Preta surgiu como parte do que seria uma tríade. A ideia começou a ser discutida em 2012 com o objetivo de levar aos palcos algo sobre a maldade. Aos poucos, ela foi sendo lapidada e o grupo decidiu tomar outro rumo: falar, em três solos, sobre os males que acometem o homem. Além do que chega para nova temporada agora, foi apresentado também Mal. 


“Em determinado momento, em 2010, propus para o Thiago Sampaio dirigir um solo meu que falaria sobre o mal, mas o mal relacionado à maldade mesmo. Em discussões e debates, convidamos a Joelle e o Rick Galdino para fazer parte desse trabalho. O engraçado é que o pontapé inicial foi dado por mim, mas acabei desistindo do meu solo”, conta Donda, que inicialmente dirigia as peças em parceria com Thiago.


Foi o colega, inclusive, o responsável pela guinada na temática. “Ele propôs que trabalhássemos não com o mal da maldade, mas com os males que acometem o homem. Em uma discussão, chegamos à depressão. O solo da Joelle trabalha com o recorte de um dia, e o do Rick abordada uma história contada quase de trás pra frente”, afirma ele, que assumiu a direção quando Thiago precisou se ausentar para um mestrado.


O diretor reforça que a obra trata não apenas da depressão, mas também da ansiedade e do isolamento, tudo de forma suave. “A gente tenta fazer isso de maneira muito delicada, porque não é fácil. Não temos nenhuma pretensão de, com o espetáculo, resolver esses problemas; não é isso. O espetáculo traz o recorte da vida de uma pessoa que está passando por isso e pode ser qualquer pessoa”.


A intensidade de tudo isso, ressalta ele, transparece em cena, claro. E até quem nunca sofreu com os estados mentais abordados ali consegue se identificar. “A peça é fragmentada, não tem o compromisso de contar uma história com início, meio e fim. São fragmentos de uma pessoa em sua luta contra esses sentimentos, essa apatia; como o corpo passeia por esses momentos”, aponta Joelle Malta.


E, além do silêncio, outro elemento bastante presente em cena é a escuridão. “A gente traz uma proposta mais inovadora na iluminação, sem usar os equipamentos do teatro, o que faz com que a montagem possa caber em vários locais diferentes, não sendo exclusivamente para o teatro”, diz Donda. “São necessárias muita concentração e disciplina por isso, porque ele acontece todo em luz muito baixa”.


São 40 minutos de espetáculo – que tem trilha sonora assinada por André Cavalcanti – e, ao final, a trupe se propõe a um debate com o público. Após as apresentações, quem quiser ficar poderá conversar com os integrantes da Cia. do Chapéu e trocar ideias sobre a construção de Tarja Preta, a maneira como se deu o processo de pesquisa e outros aspectos interessantes da obra. 


“O público que for prestigiar Tarja Preta nos três primeiros fins de semana de agosto vai se deparar com um espetáculo muito sensível, com uma atuação incrível de Joelle Malta, um trabalho incrível de Laís Lira. É um espetáculo tocante e necessário para os dias de hoje, onde a sociedade nos leva para esses estados mentais. Tenho certeza que será um momento incrível de troca”, expressa o diretor.


A atriz que sobe ao palco com a missão de interpretar toda a intensidade de sentimentos, sensações e estados de espírito concorda. “É importante fazer esse espetáculo, e mais ainda é a conversa que travamos depois, ver a leitura das pessoas sobre a depressão e de que forma elas se veem ali. É importante que quebremos os paradigmas em torno da doença”.

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